Máscaras visíveis e invisíveis
Enfrentamento e proteção contra a COVID-19 em Cunuri
Cunuri / 22 de julho de 2021
Em Cunuri, aldeia no médio Tiquié, moram nove famílias da etnia Tukano. Ali, há dois kumuã (conhecedores de bahsesé, encantamentos-sopro para proteção e cura). No dia 22 de Julho de 2021, a equipe de pesquisadores entrevistou um dos kumuã, Aluísio Menezes Pedrosa. Além de ser kumuã, ele trabalha como Agente Indígena de Saúde (AIS) há mais de 17 anos.
Segundo Aluísio Pedrosa, os tripulantes de um barco que viajava em direção a Pari Cachoeira foram os vetores de transmissão da COVID-19:
“a COVID chegou através dos tripulantes do barco André Jr. que é o barco do Germano Coimbra. Chegou na cachoeira Tukano. Abaixinho do Cunuri, tem uma cachoeira chamada Tukano. O barco não passa ali quando está rio seco. Por isso, a embarcação parou abaixinho no remanso da cachoeira. Os marinheiros vieram pedir apoio para os moradores do Cunuri para ajudar a puxar para passar o barco.”
Para o enfrentamento e proteção contra a COVID-19 em Cunuri, os kumuã e o restante dos moradores combinaram o uso de plantas medicinais, encantamentos-sopro (benzimentos) e os cuidados recomendados pela Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena (EMSI): bahsesé com fumaça de cigarro para proteção; remédios à base de plantas como o cipó saracura, casca de carapanaúba e chá de beapuriro (capim-santo, em tukano) com limão; uso de EPIs (como a EMSI deixou poucas máscaras em Cunuri, Aluísio tem trazido máscaras sempre que vai à sede do DSEI em São Gabriel da Cachoeira); encantamentos-sopro para proteger os moradores com máscaras invisíveis etc.
O entrevistado contou que não foi chamado a participar do planejamento das ações de enfrentamento à COVID-19, o que trouxe algumas dificuldades para a proteção da aldeia e tratamento dos doentes. Felizmente, ninguém faleceu por COVID-19 em Cunuri, mas houve um caso grave, que precisou ser transferido para a CASAI de São Gabriel da Cachoeira e ficou com sintomas persistentes desde que voltou. Atualmente, a maior parte dos moradores está vacinada, mas algumas pessoas persistem com sintomas.
Em 7 comunidades da região de abrangência do Pólo-Base São José II, a equipe da pesquisa realizou um exercício de avaliação coletiva da qualidade dos serviços, usando uma ferramenta chamada ‘Cartão de Pontuação Comunitária’ a partir da atribuição de uma nota de 1 a 6, onde 1 corresponde a “péssimo” e 6 a “ótimo”. Este exercício permitiu mapear os aspectos onde as comunidades perceberam uma melhora na qualidade da atenção em decorrência da resposta à pandemia, e onde consideraram que a qualidade do serviço havia piorado ou ficado igual. Também permitiu identificar onde a pontuação dada por uma comunidade espelha o resultado geral da região, e onde tem diferenças importantes entre as comunidades na avaliação que fazem dos serviços.
Assim, apontando o vazio assistencial, a carência nas equipes de profissionais como médico e odontólogo e a “pressa nos atendimentos”, a comunidade do Cunuri acompanha a pontuação regional média que foi de 2,8 (regular) para o indicador “qualidade do atendimento nas comunidades/vazio assistencial” e 2,9 (regular) para o “tempo de permanência das EMSI na comunidade”. Da mesma forma, Cunuri segue a percepção regional das comunidades de que é “ruim” (1,9 pontos) o diálogo com benzedores e conhecedoras da medicina indígena. Deve ser destacado que a comunidade avalia positivamente a saúde da mulher e da criança, enquanto a pontuação média regional para esse indicador é de 2,9 pontos (regular). A avaliação do Cunuri também é positiva quanto às ações de vacinação em geral e especificamente quanto à vacinação contra a COVID-19, num contexto em que a pontuação média regional para vacinação foi apenas “regular” (3,4 pontos) e para a vacinação contra a COVID-19 foi de 3,3 pontos (regular).
Para a melhoria da atenção à saúde das famílias de Cunuri, a comunidade ressalta a necessidade de que a equipe faça os atendimentos com mais calma, sem tanta pressa, de forma que pessoas adultas também sejam atendidas (e não apenas crianças e idosos, como tem ocorrido). Além disso, seria importante que o médico e o odontólogo da EMSI estivessem presentes com maior frequência nas visitas, dado que só participam das visitas à aldeia uma vez por ano. A comunidade também aponta a importância de que a EMSI dialogue mais com os kumuã e demais conhecedores de Cunuri, de forma a promover uma maior complementaridade no cuidado.