Foto de João Carlos Monteiro Pedrosa
João Carlos Monteiro Pedrosa, professor da comunidade de Boca da Estrada

Aprendendo com especialistas indígenas

Uso de plantas medicinais para o enfrentamento da COVID-19 na comunidade de Boca da Estrada

Boca da Estrada / 17 de julho de 2021


No dia 17 de Julho de 2021, a equipe de pesquisadores chegou na comunidade de Boca da Estrada, no Rio Tiquié, onde moram famílias das etnias Tukano, Desana, Miriti-Tapuia e Hupd’äh. Ali, a equipe entrevistou o professor tukano João Carlos Monteiro Pedrosa. 

Os moradores da comunidade ficaram sabendo da pandemia de COVID-19 através do noticiário da televisão, mas pensaram que a COVID era uma doença apenas dos brancos (e não dos indígenas). Quando a COVID-19 chegou na comunidade, esta já sofria com a alta incidência de malária e diarréia. Para o enfrentamento destas doenças e da COVID-19, a comunidade utilizou principalmente benzimentos e remédios preparados com plantas medicinais. Atualmente, há três kumu na comunidade, além de anciões conhecedores de plantas medicinais. 

Entrevista ao Professor João Carlos Monteiro Pedrosa na comunidade de Boca da Estrada, em 17/07/2021

Em suas visitas, a Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena (EMSI) sempre recomendava que os moradores continuassem a utilizar remédios tradicionais para o tratamento da COVID-19. Além disso, a EMSI buscou aprender com os especialistas da comunidade a respeito destes remédios. João Carlos contou que, em 2020, uma enfermeira do DSEI visitou a comunidade procurando por sra. Joaquina, conhecedora de plantas medicinais. A Sra. Joaquina ensinou à enfermeira sobre algumas plantas que vinha utilizando para fazer os remédios e o modo de prepará-los.  

Além de recomendar o uso de remédios tradicionais e medicamentos como paracetamol e azitromicina, a EMSI orientou que as famílias da comunidade fizessem isolamento social. No entanto, segundo o professor, a comunidade não praticou o isolamento social. Ademais, como a EMSI não distribuiu máscaras à comunidade, os moradores também não usaram máscaras ao longo da pandemia, nem mesmo no momento do atendimento pela EMSI. Além da falta de EPIs, a EMSI tinha poucos testes rápidos para COVID-19. 

O entrevistado mencionou duas importantes barreiras para a melhoria da atenção em saúde que se colocam desde antes da pandemia: dificuldades de comunicação via radiofonia e vazio assistencial. A EMSI visita a comunidade apenas uma vez por mês e, frequentemente, o médico não está presente nestas visitas. João Carlos relatou que, em 2020, a comunidade ficou meses sem nenhum agente de saúde. Uma voluntária cumpriu o papel de agente de saúde durante esse período, até que foi contratada pelo DSEI. Além destas questões, o professor apontou para dificuldades no atendimento à saúde da mulher na comunidade. Como não há um espaço adequado para o atendimento, a maior parte das mulheres não realiza os exames médicos (como PCCU e exames de pré-natal), pois sentem-se expostas e envergonhadas. 

Em 7 comunidades da região de abrangência do Pólo-Base São José II, a equipe da pesquisa realizou um exercício de avaliação coletiva da qualidade dos serviços, usando uma ferramenta chamada ‘Cartão de Pontuação Comunitária’ a partir da atribuição de uma nota de 1 a 6, onde 1 corresponde a “péssimo” e 6 a “ótimo”. Este exercício permitiu mapear os aspectos onde as comunidades perceberam uma melhora na qualidade da atenção em decorrência da resposta à pandemia, e onde consideraram que a qualidade do serviço havia piorado ou ficado igual. Também permitiu identificar onde a pontuação dada por uma comunidade espelha o resultado geral da região, e onde tem diferenças importantes entre as comunidades na avaliação que fazem dos serviços.

Assim, a comunidade de Boca da Estrada acompanha a percepção geral manifestada pelos cartões de pontuação de que a qualidade da comunicação em saúde é ruim (pontuação média: 2,6), não tendo sido observada melhora considerável durante a pandemia. O vazio assistencial (poucas visitas para atendimento) é entendido como um problema grave e faz a comunidade acompanhar a avaliação regional de insatisfação quanto à qualidade da atenção em saúde (pontuação média: 2,8 pontos = regular).  Quanto à saúde da mulher, Boca da Estrada segue a avaliação das comunidades que classificaram essa atenção específica como ruim, ainda que a pontuação média regional para esse indicador tenha sido: 2,9 (regular). Como pontos positivos é possível destacar o diálogo com a medicina indígena, que faz a comunidade distanciar-se da pontuação média regional de 1,9 pontos (ruim) para o indicador de interculturalidade na saúde. 

Para a melhoria da atenção à saúde da comunidade, João Carlos ressaltou a necessidade da melhoria da comunicação via radiofonia e a diminuição do vazio assistencial. Além disso, sublinhou a importância de que haja um espaço adequado para a realização de exames ginecológicos na aldeia.