Foto da Casa da comunidade de São Felipe do Castanho
Casa da comunidade de São Felipe do Castanho

Breu branco contra a COVID

União de benzedores e vazio assistencial na comunidade de São Felipe no rio Castanho

São Felipe / 20 de julho de 2021


No rio Castanho, a comunidade de São Felipe contou com a atuação de um pajé, benzedores e conhecedores de plantas medicinais no enfrentamento da COVID-19. 

No dia 20 de julho de 2021, a equipe de pesquisadores entrevistou o Agente Indígena de Saúde (AIS), sr. Geraldo Amaral Barbosa, e o conselheiro local de saúde, sr. Pedro Ramos Marques. Ambos ressaltaram a importância da atuação dos conhecedores da medicina tradicional na contenção do contágio e também nos tratamentos realizados na aldeia.

Sintese em Português da entrevista ao conselheiro local de saúde da comunidade de São Felipe do Castanho, sr. Pedro Ramos Marques

São Felipe é uma comunidade multiétnica no rio Castanho onde vivem onze famílias das etnias Yepamasã, Tuyuka, Yuhupdëh e Baniwa. A Equipe Multidisciplinar de Saúde Indígena (EMSI) realiza atendimentos uma vez por mês, mas há o entendimento de que seria importante a vista quinzenal (como ocorria nos anos 2000 durante o DSEI-FOIRN). Os atendimentos da EMSI concentram-se, principalmente, na saúde da mulher e da criança e no acompanhamento dos casos e tentativas de suicídio.A radiofonia é ruim, sendo necessária a mediação do AIS de outra comunidade, Cucura Manaus, para que haja a comunicação de São Felipe com o DSEI-ARN. 

Segundo os entrevistados, a COVID-19 veio do mundo dos brancos, originou-se dos morcegos e espalhou-se. Para Geraldo: “Quando chega, nós não escolhemos mais, pega no velho, pega na velha, […] ela ataca tudo.”, sendo preocupante a incerteza dos não indígenas quanto à origem da doença e tratamentos. O sr. Pedro contou que ficaram sabendo da doença em 2019 pelo técnico de instalação do rádio comunicador na comunidade. Desde então, começaram a tomar remédios tradicionais: “”sempre tomamos remédio caseiro e continuamos tomando”.

Sintese em Português da entrevista ao Agente Indígena de Saúde (AIS) da comunidade de São Felipe do Castanho, sr. Geraldo Amaral Barbosa

Quando a COVID-19 atingiu a comunidade, a EMSI distribuiu máscaras e medicamentos como paracetamol e azitromicina para quem adoecesse: “quando a equipe veio também para cá, ela levou bastantes máscaras para usar e, quando chegava, distribuía. A maioria guardava [as máscaras] ainda e só usava quando chegava a equipe”. Não houve, assim, adesão à medida de prevenção orientada pela EMSI e sim à medida de prevenção conduzida pelos benzedores. 

Para o enfrentamento da COVID-19, os quatro benzedores e o pajé orientaram os moradores e realizaram benzimentos com breu e cigarro para defumar e cercar a aldeia. O breu branco foi utilizado para a defumação ao redor da comunidade, o que permitiu a criação de barreiras para proteger as famílias e máscaras invisíveis para a cobertura do rosto. Ao visitar as comunidades vizinhas, as pessoas cobriam o rosto com camisetas. Os principais remédios tradicionais utilizados foram a carapanaúba, saracura, casca de caju e um tipo de cipó. Todos esses remédios são amargos e foram eficazes no tratamento contra a COVID-19. 

Apesar de todas as famílias terem sido infectadas pela COVID-19, não houve casos de doentes que precisaram ser removidos para São Gabriel. Os testes rápidos realizados pela EMSI deram todos positivo e o sr. Geraldo foi a pessoa que apresentou os sintomas mais graves. Mesmo assim, conseguiu melhorar com os tratamentos de medicina indígena. 

Em São Felipe, bem como em outras 7 comunidades da região de abrangência do Pólo-Base São José II, a equipe realizou um exercício de avaliação coletiva da qualidade dos serviços, usando uma ferramenta chamada ‘Cartão de Pontuação Comunitária’. Este exercício permitiu mapear os aspectos onde as comunidades perceberam uma melhora na qualidade da atenção em decorrência da resposta à pandemia, e onde consideraram que a qualidade do serviço havia piorado ou ficado igual. Também permitiu identificar onde a pontuação dada por uma comunidade espelha o resultado geral da região, e onde tem diferenças importantes entre as comunidades na avaliação que fazem dos serviços. Para a avaliação, as comunidades classificaram a qualidade da atenção à saúde a partir de diferentes indicadores  numa escala de 1 a 6 onde 1 equivale a “péssimo” e 6 “ótimo”. 

Cartão de Pontuação Comunitário de São Felipe e Morro do Beija-Flor comparando a qualidade da atenção à saúde nos períodos anterior e posterior à pandemia de COVID-19.

Os intervalos longos entre as visitas e a má qualidade do atendimentos da EMSI são vistos como um problema grave pela comunidade de São Felipe que atribuiu nota 2,0 (ruim) para esse indicador, sendo esse um problema que atinge também muitas outras comunidades do rio Castanho, já que a nota local foi 2,3 (ruim), enquanto a nota regional foi 3,1 (regular). Quanto à má qualidade na comunicação com a EMSI que afeta São Felipe (nota atribuída 2,0 = ruim), a avaliação dessa comunidade aproxima-se daquela da local (rio Castanho) com nota igualmente 2,0, diferenciando-se da avaliação regional que atribuiu nota 2,6 (regular) para esse quesito. A avaliação negativa (nota: 2,0, ruim) de São Felipe para a atenção específica em saúde da mulher e da criança acompanha mais a percepção local (2,6 = ruim) do que a média da nota regional que foi 2,9 (regular).  

Para o conselheiro de saúde e para o AIS, a melhoria da atenção à saúde da comunidade depende da diminuição do vazio assistencial. Para isso, seria importante que a EMSI estivesse presente para os atendimentos na comunidade quinzenalmente. Isso seria possível com a criação de uma EMSI específica para o Rio Castanho.