Pesquisa-ação colaborativa reuniu lideranças indígenas, antropóloga(o)s, profissionais de saúde e especialistas em comunicação digital ao longo de 2021 na região do Alto Rio Negro no Amazonas
Do dia 13/07/2021 a 24/07/2021, a equipe de pesquisadores indígenas composta pelo coordenador Domingos Barreto (Tukano), pelo assistente Marcelino Massa (Desano) e pelo consultor Américo Socot (Hupd’äh) realizou o trabalho de campo em 14 comunidades indígenas situadas na Região do Alto do Rio Negro, na Amazônia. O trabalho gerou as informações necessárias para a conclusão da pesquisa Comunicação Intercultural para uma resposta efetiva à Covid-19 nos territórios indígenas.
O projeto, liderado por uma equipe multidisciplinar da Associação Saúde Sem Limites (SSL), Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) e Instituto de Estudos de Desenvolvimento (IDS), propôs-se a compreender e abordar alguns dos principais fatores que prejudicaram a eficácia da resposta à COVID-19 em territórios indígenas amazônicos, em particular, as comunidades marginalizadas e mais vulneráveis.
Na região, o Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena do Alto Rio Negro – DSEI-ARN, responsável por prestar atenção básica em saúde indígena, está dividido em 25 polos-base e o escolhido para a realização dos estudos foi o polo-Base de São José, por possuir uma das maiores áreas de abrangência de cobertura, atendendo a 34 comunidades indígenas distribuídas às margens do rio Tiquié e ao longo de igarapés de difícil acesso.
As equipes multidisciplinares de saúde desse polo-base prestam atendimento à maior porção populacional das etnias Hupd’äh e Yuhupdëh, consideradas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) como “Povos de Recente Contato”.
Durante a pesquisa de campo, a equipe de pesquisadores foi apoiada remotamente por um grupo interdisciplinar de antropólogos, especialistas em análise do sistema de saúde e comunicação digital da SSL e IDS. Essa equipe de suporte desenvolveu uma gama de ferramentas online e offline e acompanhou o processo de teste e adaptação das mesmas. As ferramentas incluíram versões adaptadas localmente do Cartão de Pontuação Comunitário (CPC) - Community Scorecard - que é amplamente utilizado por serviços de atenção primária em Moçambique, mas não muito conhecido no Brasil, e um conjunto de protocolos de coleta de dados digitais integrados às plataformas KOBO e TIMBY, que a equipe de campo utilizou juntamente com práticas tradicionais de discussão e análise de grupos indígenas.
O KoBoToolbox é um software que possibilita a coleta de dados por meio de smartphone ou tablet e a tabulação automática em variados formatos. O TIMBY, por sua vez, é um conjunto de ferramentas digitais criado por um coletivo de cineastas, desenvolvedores, engenheiros e designers para ajudar jornalistas e ativistas a documentar problemas em suas comunidades.
Para que não houvesse barreiras linguísticas e problemas de interpretação antes das conversas, era acordado com as comunidades como seria feita a tradução. Basicamente, a reunião começava com o Coordenador Domingos falando em português e posteriormente, era feita a tradução para as outras línguas. O grupo entrevistou Agentes Indígenas de Saúde (AIS), conselheiros de saúde, líderes comunitários, professores e Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs).
No rio Tiquié, os pesquisadores realizaram entrevistas nas comunidades de Serra do Mucura, Pirarara Poço, Acará Poço, Maracajá, Taracuá Igarapé, São João Batista, São Lourenço, Cucura São João, Cunuri, Boca da Estrada e Santa Rosa do Samaúma. No rio Castanho, as entrevistas foram com as comunidades de Santa Rosa, São Joaquim, São Felipe e Trovão.
Para realizar uma avaliação coletiva da qualidade do atendimento e dos serviços prestados, foi feito uso da ferramenta ‘Cartão de Pontuação Comunitária’ (CPC) - Community Scorecard. Este mecanismo permitiu mapear os aspectos onde as comunidades perceberam uma melhora na qualidade da atenção mediante a pandemia, e onde consideraram que a qualidade do serviço havia permanecido o mesmo – ou piorado - em comparação com o período pré-pandemia. Também permitiu analisar quais resultados eram similares entre as comunidades da região e quais apresentavam importantes diferenças no que se refere ao serviço recebido. Através do Cartão de Pontuação, havia a atribuição de notas de 1 a 6 pontos, onde 1 equivale a “péssimo” e 6 a “ótimo”, para os indicadores da qualidade da saúde diferentes.
Dados de uma pesquisa anterior, denominada Vozes Desiguais (2017/2018- SSL/FOIRN/IDS), na qual foi utilizado o mesmo sistema de “Cartão de Pontuação”, serviram como base para a análise comparativa dos dados da pesquisa mais recente.
Para a presente pesquisa, foram utilizados sete indicadores prioritários, sendo eles:
1. Comunicação intercultural;
2. Vazio assistencial/ cobertura das equipes;
3. Interculturalidade na saúde indígena (medicinas tradicionais e biomedicina);
4. Apoio ao AIS;
5. Integração com a média e alta complexidade (resgate, CASAI, hospital);
6. Apoio aos conselheiros de saúde;
7. Saúde da mulher.
O resultado e as conclusões da pesquisa resultaram na Plataforma de Monitoramento Comunitário da Qualidade da Saúde Indígena (PMCQSI), onde é possível encontrar os relatos das comunidades da região acompanhados dos Cartões de Pontuação Comunitários (CPC), fotos, mapas de geolocalização e áudios das entrevistas nas línguas Tukano e Português.
Dois textos analíticos compõem também o conjunto de materiais disponibilizados pela plataforma e apresentam os principais resultados do monitoramento comunitário, permitindo o entendimento da situação geral da área de abrangência do polo-base de São José II e da situação específica dos povos Hupd’äh e Yuhupdëh.
Através da plataforma, lideranças indígenas, gestores e profissionais de saúde serão capazes de identificar as áreas prioritárias para a promoção de melhorias, bem como áreas em que está havendo um bom desempenho das ações e estratégias das EMSI - Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena.
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